Seleção masculina tem começo promissor, mesmo longe do ideal
Leal marcou 29 pontos nos dois jogos que fez pelo Brasil (Fotos: Divulgação/FIVB)
Por Sidrônio Henrique, de Brasília (DF)
3 de junho de 2019
O torcedor que viu as três partidas iniciais da seleção brasileira masculina de vôlei na Liga das Nações deve ter se empolgado. Foram três vitórias sobre Estados Unidos (3 a 0), Austrália (3 a 2) e Polônia (3 a 1), em Katowice (POL). Esse começo até teve momentos preocupantes, como a virada que o Brasil tomou dos australianos no quarto set depois de liderar por oito pontos ou o primeiro set claudicante da linha de passe contra os poloneses. Porém, conseguir oito de nove pontos possíveis, no início de uma competição desgastante, desnecessariamente longa, é algo a ser aplaudido diante do pouco tempo de treinamento dos brasileiros. Claro, é só o começo de temporada e quase todas as seleções estão incompletas, mas o Brasil fez sua parte.
DESTAQUES
Yoandy Leal
O ponta cubano naturalizado brasileiro de 30 anos, 2,01m, começou bem sua caminhada com o grupo. Detalhe: Leal uniu-se à equipe no dia 28 de maio, três dias antes da estreia da seleção na competição. Treinou com bola apenas uma vez, e no time reserva. Mesmo assim, mostrou um bom desempenho quando foi acionado contra Austrália (14 pontos) e Polônia (15 pontos). Imagine aí quando ele estiver plenamente integrado.
Flávio Gualberto
O central, cria do Minas Tênis Clube e que vai para o Sesc-RJ, jogou a partida inteira contra a Austrália e foi um dos destaques, com 17 pontos – 12 de ataque e cinco no bloqueio. O atleta, que vem chamando a atenção há pelo menos três temporadas na Superliga, demonstrou segurança em Katowice e deu trabalho aos bons atacantes australianos. Espera-se que, na seleção, mantenha a regularidade que apresentava no Minas – ciente de que o cenário internacional é bem mais competitivo. Um ponto importante: o saque, que o próprio Flávio já apontou como seu pior fundamento, evoluiu bastante. Apesar de ter apenas 2,00m, pouco para a posição, ele chama a atenção pelo tempo preciso de bloqueio – a exemplo de outros “baixinhos” na função, como o argentino Sebastián Solé (2,00m) e o polonês Jakub Kochanowski (1,99m).
Uma das novas caras da seleção, Flávio pontuou 17 vezes contra a Austrália
Atacantes de força nas extremidades
Havia quem temesse a escalação de Leal e Lucarelli nas pontas por causa do passe irregular de ambos. Na sua estreia, ante os australianos, Leal teve como colega na ponta Douglas Souza. No dia seguinte, vimos Leal e Lucarelli. O duo correspondeu. Para completar, Wallace na saída de rede. É muito alcance e potência, certamente uma dor de cabeça para o sistema defensivo adversário. Some a isso o fato de serem bons bloqueadores e excelentes sacadores. Sobre o passe da dupla Leal e Lucarelli, discutimos mais abaixo.
Representatividade negra
O alerta nos foi feito por alguns leitores e merece o registro. Um fato inédito. Quando o central Isac chegava à rede e o também central Lucão saía para a entrada do líbero Maique, a seleção tinha somente jogadores negros em quadra (Cachopa/Wallace, Leal/Lucarelli, Isac/Maique). Numa pesquisa sobre o Brasil em outras competições de voleibol, não encontramos nada igual. É algo extremamente representativo para um país de maioria negra ou parda.
Entre 2012 e 2016, o número de brasileiros que se autodeclaravam negros aumentou 14,9% no Brasil. No mesmo período, também cresceu a quantidade dos que se consideravam pardos, enquanto diminuiu o percentual de brancos na população. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo a pesquisa, em 2012, quando a população do país era estimada em 198,7 milhões de pessoas, os brancos eram maioria (46,6%), os pardos representavam 45,3% do total, e os negros, 7,4%.
Já em 2016, a população saltou para 205,5 milhões de habitantes (aumento de 3,4%), e os brancos deixaram de ser maioria, representando 44,2% (queda de 1,8%). Os pardos passaram a representar a maior parte da população (46,7%) – aumento de 6,6% – e os negros passaram a ser 8,2% do total de brasileiros. À época da divulgação da pesquisa, o próprio IBGE ressaltou que um dos fatores para esse crescimento é o fato de mais pessoas se reconhecerem como negras. Durante o censo do IBGE, a cor é autodeclarada pelo entrevistado.
Seleção chegou a ter apenas atletas negros em quadra na etapa de Katowice
O QUE PODE MELHORAR
Linha de passe
A instabilidade foi mais sentida no primeiro set da partida contra a Polônia. O flutuante da equipe europeia desestabilizou a recepção brasileira. O time comandado temporariamente por Marcelo Fronckowiak – assistente que assume a condição de técnico nos quatro primeiros jogos da Liga das Nações por causa da suspensão imposta a Renan Dal Zotto (pela bola atirada na quadra durante o jogo Brasil vs. Rússia no Mundial 2018) – chegou a liderar por 12 a 8, mas tomou a virada. Talvez você se pergunte como a equipe superou o problema sem fazer substituições. Um pequeno rearranjo na distribuição das zonas de passe de cada um dos três que recebiam o saque – Leal, Lucarelli e Thales – resolveu a questão.
“Pedimos para o Thales cobrir um pouco mais o Leal, diminuindo a área do ponteiro, que ficou mais livre para atacar”, disse Fronckowiak ao Saque Viagem. “Quero ressaltar a coragem do Leal em assumir o passe, em nenhum momento titubeou e, quando errava, não baixava a cabeça, não diminuía a disposição”, completou o assistente técnico. Ajuste feito, virada para cima dos poloneses.
Fronckowiak ajustou a posição de Thales para melhorar a eficiência do passe brasileiro
Aqui cabe uma observação sobre a importância da confiança em um ponteiro passador na hora de receber o saque. Dois dos maiores ponteiros da década passada, o cubano Leonel Marshall e o búlgaro naturalizado italiano Hristo Zlatanov eram medíocres na recepção, mas não deixavam de se expor. Claro, a favor deles estava a explosão no ataque, compensando o passe deficiente. “O mais importante é que eles não se abatiam, não permitiam que os erros os incomodassem. Tanto Zlatanov quanto o Marshall esbanjavam confiança. Isso ajuda o time e mina a estratégia do adversário. Se você manda a bola para trás no passe, mas vira na potência no ataque, seu oponente fica preocupado”, comentou com o Saque Viagem o técnico da Austrália, Mark Lebedew.
Esse raciocínio reforça a possibilidade de a seleção brasileira contar com Leal e Lucarelli nas pontas, tendo ainda Douglas Souza em grande fase, além das presenças de Lucas Lóh, que pouco jogou em Katowice, e de Maurício Borges, que está treinando em Saquarema (RJ). Se em 2018 havia carência na posição por causa de lesões (Lucarelli e Borges) e da impossibilidade de Leal atuar, este ano o cenário é favorável.
Mark Lebedew: “Se você manda a bola para trás no passe, mas vira na potência, seu adversário fica preocupado”
É bom que se diga: a Polônia, longe de ser aquele time que venceu o Mundial em Turim (ITA), foi bastante irregular, incluindo aí o saque. Os EUA também têm várias ausências e seu serviço não chegou a ameaçar. O time que sacou melhor contra o Brasil venceu dois sets, a esforçada Austrália – o ponteiro Samuel Walker marcou sete aces. A seleção brasileira ainda precisa ser mais testada contra uma equipe que tenha uma variação de saque capaz de abalar a linha de recepção por uma partida inteira – suponha encarar viagens potentes, alternados com flutuantes chapados. Mas a dupla Leal e Lucarelli passou no primeiro teste. De qualquer forma, ter outras boas opções no banco é reconfortante.
A equipe brasileira está a caminho de Tóquio (JPN), onde enfrentará, pela ordem, Irã, Japão e Argentina. Os dois primeiros adversários estão completos, enquanto os argentinos seguem sem o levantador Luciano De Cecco, que se unirá ao time na quarta semana, mas contam com Nicolás Uriarte na posição. O Brasil está em terceiro lugar na classificação geral.